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Atas do VI Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica
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A Arqueologia da Cidade através da Cartografia Urbana Histórica [Resumo]
Manuel Teixeira
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ResumoA cartografia é um instrumento privilegiado para o conhecimento das cidades e para o estudo das morfologias urbanas. Analisada com as devidas precauções, a cartografia e a iconografia são materiais privilegiados para o estudo das formas urbanas. A leitura atenta da cartografia histórica, de diferentes épocas, articulada com a observação da cidade de hoje, permite-nos entender a evolução das formas urbanas e as suas principais características, revelando as condicionantes que determinaram lógicas de localização e de implantação, o traçado de ruas, a localização e a orientação de praças, a localização de funções, a implantação de edifícios, bem como o entretecer dos processos que deram origem a esses espaços urbanos. As cidades que habitamos são a síntese de múltiplos estratos, físicos e temporais, que se foram acumulando e entretecendo, e que estão simultaneamente presentes hoje nos traçados, nos edifícios, nos usos, muito para além das razões que lhes deram origem. No rosto da cidade, bem visíveis a quem esteja atento, estão as marcas desse seu passado: o passado rural de zonas urbanas que encontramos no traçado irregular das ruas, antigas azinhagas; os usos que se implantam em determinadas zonas e se justificam pela antiga estrutura funcional da cidade; os restos de carris que nos mostra mutilizações passadas de ruas e avenidas e a sua posição na hierarquia urbana; o chafariz de animais que nos mostra a antiga função de terreiro de uma praça actual; o limite da cidade definido por uma linha de fortificação que hoje é uma Alameda; o perímetro de um quarteirão ou o traçado de uma rua que segue alinha de um baluarte já desaparecido; a localização de praças junto às antigas portas da cidade, ou que resolviam a inflexão de ruas motivada por irregularidades do terreno hoje inexistentes. A leitura atenta destas marcas do passado é uma arqueologia da cidade, em que as irregularidades, as imperfeições, os restos esquecidos nos revelam muito sobre a sua origem, processos de evolução e transformação e progressiva estruturação formal. A leitura comparativa de cartografia de diferentes momentos mostra-nos esse contínuo acrescentar, rasurar, sobrepor, tentar apagar e, apesar de tudo, a persistência ao longo de séculos de formas urbanas anteriores, muitas vezes transmutadas em novas formas e novos usos, ajudando-nos a confirmar o que a observação nos revelou, ou despertar ainda novas pistas a confirmar no local. Mas a representação cartográfica, seja a representação de territórios urbanos existentes, de projectos ou de espaços imaginados, de eventual concretização futura, é sempre feita pela perspectiva promotor e do narrador, que descreve, ordena e valoriza os componentes da cidade segundo os seus próprios critérios e o seu quadro cultural de referência. Qualquer representação cartográfica é sempre o resultado de um processo de selecção, daquilo que pode ou deve ser representado, de acordo comos objectivos dessa representação e dos múltiplos filtros que consciente ou inconscientemente se interpõem entre a realidade a representar, o olhar do cartógrafo, e aquilo que a sua mão regista. Muitas vezes, os objectivos políticos ou ideológicos que levaram à sua feitura distorcem deliberadamente uma suposta realidade factual. Também os espaços informais, ou que não se inscreviam na ordem dominante, não existiam na representação cartográfica. É o que se passava com os locais de habitação ou de enterramento dos escravos ou, mais tarde, coma habitação operária oitocentista. Tanto num caso como no outro, a sua baixa posição na hierarquia social traduzia-se na invisibilidade da sua presença na representação cartográfica. O quadro mental do cartógrafo revela-se igual mente nas representações cartográficas, no modo como estruturas urbanas regulares, segundo os nossos critérios de hoje, eram representadas de forma irregular, quando ainda não existia a percepção da regularidade que veio a ser dada pelas projecções planas, da mesma forma que estruturas urbanas irregulares passaram a ser representadas de forma regular, quando imperavam os preceitos da racionalidade geométrica na concepção da cidade. Também o modo como interpretamos a cartografia é o resultado dos filtros culturais e sociais que se interpõem entre o objecto e o seu intérprete, isto é, entre aquilo que está registado e aquilo que cada um de nós, em cada época e circunstância, lê e interpreta. A cartografia é assim descrição e inventariação, mas também expressão de eleição e de discriminação, de conceitos e de ideologias e não raras vezes de imaginação e de sonho.
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Data da última atualização: 2022-05-26
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